domingo, 2 de novembro de 2014

Infinitas graças vos damos, soberana Rainha!

11-12-2013
Infinitas graças vos damos, soberana Rainha!
Sergio Bertoli
Razões de trabalho me levaram recentemente a Salvador. À tardinha, depois da tarefa cumprida, um colega soteropolitano me convidou para um giro a pé pelo centro histórico da encantadora cidade. Bahia, nome evocativo de tanta história para nós brasileiros.
Seguindo o roteiro proposto por Gabriel – nome do colega de trabalho – pude observar, enlevado, muitos aspectos pitorescos e belos da cidade como o Relógio de São Pedro, a Piedade, o Mercado Modelo, o Pelourinho, entre outros.
O horário parecia não favorecer muito, pois as igrejas históricas já se encontravam fechadas. Caminhávamos num ritmo bem baiano, sem pressa, para poder admirar as fachadas dos prédios com suas sacadas e seu colorido ressaltado pela iluminação.
Não faltavam turistas, em sua maioria bebericando algo nas calçadas defronte a restaurantes e bares ao longo das ruas e praças. Pude admirar, apenas por fora, a Igreja de São Francisco e a da Ordem Terceira. Muita coisa do que via me era familiar uma vez que, virtualmente, não apenas conhecia, mas já havia lido a respeito.
Pude tirar a limpo, por exemplo, uma curiosidade sobre a fachada da Ordem Terceira, hoje com todos os detalhes externos originais. Em épocas mais remotas foi coberta com reboco, dado que muitas esculturas ali presentes são repletas de símbolos. Quem estudou a grande a gesta de Dom Vital no Brasil, não poderia deixar de rememorar a razão deles nas ordens terceiras.
Aquela região é denominada Pelourinho, local onde os escravos recebiam castigo. Ali se encontra a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Até um restaurante-escola do SENAC. Mais ao longe, víamos as igrejas de Santa Bárbara, do Carmo e da sua Ordem Terceira.
Depois de caminhada tão agradável quanto instrutiva, íamos descendo a ladeira a fim de tomarmos um táxi. Mais uma igreja em nosso caminho, a de Nossa Senhora do Rosário do Homem Preto que, para nossa alegria, encontrava-se aberta. Entramos com sofreguidão. Vozes varonis recitavam as orações do Terço.
Pelo que fomos informados tratava-se do “Terço dos homens” em sua 59ª edição... A ascendência italiana falou mais alto dentro de mim. Confesso que me emocionei. Não tive dúvida, tirei meu terço do bolso e ajoelhei-me. Uma simpática pessoa na frente fez-me um sinal para que eu me associasse a eles.
Na verdade, o que eu desejava mesmo naquele momento não era propriamente rezar, mas, na quietude, admirar aquela luminosa cena. Ao contrário de orações lentas e langorosas, ouvia vozes másculas, altas, quase proclamadas a louvar a Virgem Santíssima.
Encerrado o Terço, veio um cântico seguido de uma consagração dos presentes a Nossa Senhora. A voz deles era grave e forte, além de muito afinada. Sensibilizei-me ao ver e ouvir aqueles senhores recitarem "Infinitas graças vos damos, soberana Rainha"...
Não importa a raça, todos nós temos a Virgem Branca do Rosário por Rainha, mas ali havia algo mais... Havia o charme negro da Bahia de Todos os Santos. Seguindo uma tradição deles, fui até convidado a dizer algumas palavras. Vi-os de frente. Quase todos em traje social. Nenhuma bermuda, camiseta e chinelos.
Fomos convidados para um lanche. Conversa farta e cheia de atração. Hospitalidade é o que não faltou.
Saí dali pensativo, sempre acompanhado do verboso Gabriel. Preferi tomar uma refeição leve e ir me recolher no Hotel. Perguntei-me muitas vezes onde estavam os negros revoltados que setores da mídia e de certas sacristias procuram realçar.
Confesso ter tido naquele dia uma profunda alegria de alma por sentir-me entre irmãos, pois somos todos filhos do mesmo Pai e da mesma Mãe. Se quiser, sob a invocação de Virgem Santíssima do Santo Rosário do Homem Preto de Salvador.
(*) Sergio Bertoli é jornalista e colaborador da ABIM